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A arbitragem como mais uma alternativa à solução dos conflitos trabalhistas


Introdução

Duas, basicamente, são as formas de solução dos conflitos trabalhistas: a autônoma, composta pela negociação coletiva e pela mediação/conciliação, e a heterônoma, composta da solução estatal judicial e pela arbitragem, que pode ser pública ou privada.

A negociação direta entre as partes, a mais importante, é aquela que prevalece nos países adiantados que adotaram a liberdade sindical. Ela é melhor pela simples razão de que decorre da autonomia privada coletiva, pela qual as partes, livremente e com conhecimento, discutem seus problemas e encontram a solução mais adequada. Essa solução, porque não é imposta, evidentemente será adotada pelas partes com maior aceitação do que se tivesse decorrido de um ato de terceiro, como, por exemplo, do Judiciário.

No Brasil, esse importante processo sempre foi deixado para segundo plano, pois, desde o Estado Novo de Getúlio Vargas, priorizou-se o paternalismo estatal pela intensa intervenção do Legislativo, do Executivo e do Judiciário. O primeiro, criando os direitos que entendia adequados para as categorias profissionais; o segundo, mediando e abafando os conflitos trabalhistas, pela interferência e intervenção intensas do Ministério do Trabalho na organização sindical, e o terceiro, decidindo coercitivamente os conflitos postos à sua apreciação. Além disso, o sistema sindical, consubstanciado na quase proibição do direito de greve e no modelo de unicidade sindical imposto e da contribuição compulsória que alimentou e ainda vem alimentando a criação e sobrevivência de sindicatos pelegos, sem representatividade e poder de barganha, tem marcado indelevelmente a sua contribuição ao não-desenvolvimento da negociação coletiva.

Todavia, a Constituição Federal de 88 priorizou em parte a negociação coletiva, criando relativa liberdade sindical (art. 8º e incisos), reconhecendo o direito de greve (art. 9º), a convenção coletiva como importante direito do trabalhador e deixando, a cargo exclusivo dos sindicatos, a negociação sobre redução salarial e compensação de jornada de trabalho (art. 7º, incisos VI, XII e XIV).

Não obstante, por outro lado e no geral, manteve e ampliou o poder normativo da Justiça do Trabalho (art. 114, § 2º), o que significa incongruência e representa real inibição ao desenvolvimento da solução negociada.

Mas é certo que, mesmo diante dos entraves ainda existentes e do fator cultural, categorias mais bem organizadas vêm aplicando a negociação como forma de solução dos conflitos trabalhistas, tanto no campo coletivo, como no individual, embora em termos de Brasil isto ainda seja muito pouco.

Arbitragem

A arbitragem consiste na solução de um conflito, quer coletivo ou individual, por um terceiro nomeado livremente pelas partes.

Esse processo, embora reconhecido genericamente no Brasil, desde a Constituição Imperial de 1824 e agora explicitamente instituído facultativamente como forma alternativa e supletiva da negociação coletiva (art. 114, § 1º da CF/88), até o presente momento não teve aplicação significante ou aceitação na esfera trabalhista.

Dentre outras, pode-se mencionar, como razões, a falta de confiança nos árbitros indicados, ora pelos empregadores, ora pelos empregados (muito mais por estes), e no alto custo que representa, o que leva, pela desigualdade econômica existente entre empregados e empregadores, a agravar mais ainda a desconfiança daqueles no sistema.

Porém, mesmo diante desses fatores negativos a arbitragem deve ser vista ou revista, diante do atual e real quadro do Judiciário trabalhista, encarregado e responsável pela solução da quase totalidade dos conflitos envolvendo patrões e empregados.

No campo individual, o quadro é absolutamente preocupante, com uma justiça trabalhista recebendo mais de dois milhões de ações por ano e com um prognóstico de aumento de 15%, também, por ano, cujo aumento pode ser bem superior, se se levar em conta o agravamento e aumento do desemprego, pois, como é sabido e consabido, o empregado, em regra, só reclama seus direitos depois de rescindida a relação de emprego.

Fato real e, por isso, indiscutível, é a demora da solução de um processo individual, em média, de 5 a 6 anos, segundo estatísticas, não por culpa em si dos juízes, mas pela carga insuportável de ações que entra diariamente nas juntas trabalhistas.

Sabendo-se que na grande maioria dos casos o que se reclama é o pagamento de salários, de natureza evidentemente alimentar, essa demora é simplesmente inaceitável e reclama soluções pelo menos para minimizar as conseqüências desastrosas para o trabalhador e recuperar a confiança da sociedade no Judiciário. Por oportuno, como razão do abarrotamento da Justiça do Trabalho, ressalto, no meu ver, o caráter individualista de atuação dessa Justiça Especializada, que, no geral, não prioriza a solução coletivizada, que deve ser implementada pelos sindicatos, através da substituição processual e por estes e pelo Ministério Público do Trabalho, por meio das importantes ações coletivas, que têm como gênero a ação civil pública. Com relação à substituição processual, embora por mais de uma vez reconhecida de forma ampla pelo E. STF, o C.TST ainda mantém, na contramão da história, orientação absolutamente restritiva, consubstanciada no Enunciado 310, motivo, certamente, da pouca utilização pelos Sindicatos. Já a ação civil pública e suas espécies, mesmo diante de algumas resistências, vêm sendo utilizadas com vigor e cada vez mais pelo Ministério Público do Trabalho, cujo exemplo marcante é da 15ª Região, cujo trabalho na proteção da ordem jurídica trabalhista e dos interesses indisponíveis correspondentes vem se dando em perfeita harmonia com o Judiciário Trabalhista, que chega mesmo a oferecer denúncias ao parquet e pedir a sua atuação coletivizada diante dos resultados positivos que se tem obtido, diminuindo, conseqüentemente as ações individuais.

No campo coletivo – dos dissídios coletivos – reinam, também, grandes preocupações. De um lado, pela demora que, se não ocorrer nos tribunais regionais – e há tribunais que de fato priorizam o julgamento desses conflitos – certamente ocorre no TST, com relação ao julgamento dos recursos. Além disso, é requerido pela parte interessada e concedido pelo Presidente do TST, efeito suspensivo, na maioria dos casos, das importantes cláusulas deferidas pelos regionais, o que desvirtua a finalidade da sentença normativa, que é solucionar rapidamente, com eficácia, os conflitos coletivos de trabalho para restabelecer a harmonia entre as partes (as inúmeras Medidas Provisórias que vêm sustentando o plano real, atribuíram competência monocrática ao Presidente da Corte).

Como se sabe, as cláusulas fixadas nas sentenças normativas, em regra e na prática, têm duração de um ano, e se a solução definitiva vier a ocorrer – como sempre ocorre – depois deste prazo, os seus efeitos são ineficazes. De outro lado, como ressalta João de Lima Teixeira Filho (A arbitragem e a solução dos conflitos coletivos de trabalho" – Curso de Direito Coletivo do Trabalho, em homenagem a Orlando Teixeira da Costa, publicado pela LTR), basta, contudo, uma breve referência à deficiente instrução processual para a importância dos interesses em jogo, cujo equacionamento judicial se postula, e a falta de sintonia com a realidade das concessões, prejulgadas linearmente em precedentes normativos. Isso faz do dissídio coletivo a ferramenta auxiliar de solução dos conflitos, com o menor grau de comprometimento das partes.

Se é verdade que, não obstante a grande celeuma hoje existente sobre a permanência ou não do poder normativo da Justiça do Trabalho e de que a grande maioria dos sindicatos brasileiros não consegue viver sem ele, é absolutamente salutar que se experimente outras alternativas de solução para os conflitos coletivos. E a arbitragem, sem as travas dos recursos e do efeito suspensivo pelo TST, como ocorre nos dissídios coletivos, certamente oferecerá resultado mais rápido e eficaz. Ademais, embora a decisão também seja de um terceiro, esse, ao menos, é escolhido pelas partes de comum acordo.

Como dito acima, a arbitragem, no Brasil, praticamente não tem sido utilizada para solução de conflitos trabalhistas. Mas agora, com o agravamento da solução estatal desses conflitos e a entrada em vigor da Lei 9.307/96, elaborada a partir de um projeto de lei do então Senador Marco Maciel, para o âmbito comercial – em especial – o debate se acendeu: uns entendendo que essa lei não se aplica no âmbito trabalhista, em razão do princípio da irrenunciabilidade e conseqüente indisponibilidade de direitos; outros, sustentando a sua aplicação só em parte, ou seja, no campo das relações coletivas.

O artigo 1º da referida lei dispõe: "As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis".

É evidente que, no âmbito coletivo, não pode haver dúvida alguma sobre o cabimento da arbitragem, pois a carta constitucional de 1988 já a prevê (art. 114, § 1º) , de forma facultativa, quando malograda a negociação direta entre as partes. Além disso, no âmbito coletivo se trata da criação, ou modificação de direitos (dissídios econômicos) ou da interpretação de uma norma pré-existente (dissídio jurídico), pelo que ultrapassa-se a barreira da indisponibilidade, inclusive porque se os sindicatos, autorizados pelas respectivas categorias, podem negociar sobre os interesses gerais e abstratos das mesmas, é razoável entender que também podem transferir esta tarefa a um terceiro, árbitro ou comissão de árbitros.

No âmbito dos conflitos individuais, no entanto, a questão é controvertida, rendendo ensejo, basicamente, a dois entendimentos: um negando totalmente a aplicação do instituto; outro, aceitando-o em termos. Fico com o segundo entendimento, mediante as seguintes considerações: o Direito do Trabalho tem como um dos seus mais importantes princípios a irrenunciabilidade dos direitos. Mas é claro que nem todos os direitos trabalhistas são de natureza patrimonial, e, portanto, de caráter alimentar, onde sem dúvida se faz incidir a regra geral. De outro lado, existem direitos que não são de ordem patrimonial, mas, pelo caráter tutelar de que são revestidos, não comportam transação pelas partes, no contrato de trabalho, principalmente sem a proteção sindical. Tais direitos, como exemplo, entre outros, podemos citar as normas que tratam sobre o meio ambiente do trabalho, jornada e descanso e o registro em carteira de trabalho, quando reconhecido o vínculo. Isto porque o cumprimento dessas normas interessam ao Estado, independentemente da vontade das partes. Mas há quem entenda, e com bastante razoabilidade, que, em regra, após o desfazimento do vínculo empregatício, os direitos decorrentes perdem a proteção da irrenunciabilidade (salvo aqueles de ordem pública, garantidos por normas imperativas), porque transformam-se, em geral, em indenização, comportando, dessa forma, a solução de eventual conflito por meio de arbitragem. Porém, uma coisa é certa: as reclamações trabalhistas, como regra geral, são feitas somente após a rescisão contratual, daí se dizer que a Justiça do Trabalho é a justiça dos desempregados. E, como é sabido e consabido, o que mais existe nessa justiça especializada é a transação, ou na linguagem corrente, a realização de acordos que são homologados sem observância rigorosa dos princípios que regem a matéria, em especial, a irrenunciabilidade. De um lado, porque o trabalhador, premido pela necessidade, muitas vezes até passando fome, e sabendo da demora sobre a decisão final, não tem outra solução se não aceitar o acordo, quase sempre irrisório. De outro, o juiz, reconhecendo essa cruel realidade, e diante da carga insuportável de trabalho que tem, não se anima a impor perante as partes o rigor da lei. E essa realidade que é reconhecida, sem rejeição, perante o judiciário trabalhista, não pode e não deve ser ignorada no âmbito da arbitragem, que, embora também se trate de uma solução dada por estranho, esse é pessoa escolhida pelas partes e, portanto, da confiança das mesmas. Assim, entendo ser possível a arbitragem de dissídios individuais trabalhistas, pelo compromisso arbitral (art. 9º, da Lei 9.307/96), não como regra, porém por exceção, embora reconheça que, na prática, isto será muito difícil, a não ser em se tratando de altos empregados, pessoas mais esclarecidas e capazes de escolher o árbitro de sua confiança. Mas, em hipótese alguma, é possível se estabelecer previamente a arbitragem dos conflitos individuais no contrato de trabalho, por meio da cláusula compromissória (art. 4º, da Lei 9.307/96).

Mas, se há tantas dificuldades e empecilhos à arbitragem, por que, então, incentivá-la no âmbito trabalhista? A resposta é simples: o árbitro é escolhido pelas partes, entre qualquer pessoa do povo, ou até mesmo dentre os integrantes do Judiciário e do Ministério Público do Trabalho (arts. 9 e 13, da Lei 9.307/96 e 83-XI, da Lei Complementar 75/93). Ademais, o laudo arbitral não está sujeito à homologação nem a recurso, salvo este último, na hipótese de nulidade (arts. 18 e 32, da Lei 9.307/96) e o procedimento que a norteia é totalmente simplificado. Por isso, o resultado será, sem dúvida alguma, mais rápido para as partes e, se realmente vier a ser utilizada como mais uma forma de solução de conflitos – e não a única - contribuirá para o restabelecimento do prestígio do Poder Judiciário que se encontra sensivelmente abalado diante daqueles que o procuram.

Por oportuno, cabe ressaltar o incentivo que o Ministério Público do Trabalho vem dando às novas e alternativas formas de solução dos conflitos trabalhistas e, em especial, à arbitragem (da qual é oficialmente titular, conforme prevê o inciso XI, do art. 83, da Lei Complementar 75/93) e à mediação/conciliação.

A instituição, de algum tempo, vem atuando através desses dois sistemas, com prevalência para a mediação, com a obtenção de grande êxito, porquanto, num país sem cultura negocial e numa fase de transição, a mediação/conciliação exercem papel fundamental, primeiro, aproximando as partes – o que já é tarefa difícil – depois ajudando-as na busca da melhor solução para a pendência. E, para melhor atender a essa demanda, o Ministério Público do Trabalho, que no momento tem como Procurador-Geral o Excelentíssimo Senhor Dr. Jeferson Luiz Pereira Coelho, vem envidando esforços, especialmente na preparação de quadros, pois só nos últimos dois anos já custeou a participação de cerca de 60 membros em cursos oferecidos pela OIT (Organização Internacional do Trabalho), tratando dos temas mediação, arbitragem e sistemas modernos de relações trabalhistas.

Também o Ministério do Trabalho, embora só ultimamente, vem aperfeiçoando o sistema de mediação trabalhista, apesar de contar com um quadro insuficiente de servidores.

Conclusão

É indene de dúvida que o Estado brasileiro encontra-se inadequado e incapacitado para resolver os conflitos que lhes são distribuídos e a insuportável demora no oferecimento da prestação jurisdicional representa a mais clara denegação de justiça, estimulando, na área trabalhista, renúncia diária de direitos e acordos ruinosos. Assim, a meu ver, para se impor eficácia e melhor qualificação à prestação jurisdicional trabalhista, são necessárias, urgentemente, as seguintes medidas, entre outras:

1 – incentivo à verdadeira e direta negociação coletiva, pelos sindicatos, e à individual, por meio de comissões mistas ou outros órgãos criados pelas partes ou pela própria lei;

2 – incentivo à mediação/conciliação, como forma adequada e necessária nesse momento de transição, para aproximar as partes e criar cultura negocial, na busca de solução extrajudicial dos conflitos;

3 – incentivo à arbitragem, não como única forma de solução, mas, como mais um meio alternativo de solução a ser experimentado pelas partes;

4 – enxugamento da atuação judicial, coletivizando-se a prestação respectiva, através do intenso uso da substituição processual, das ações civis públicas, inclusive pelos sindicatos e da aplicação, sem medo, dos modernos instrumentos processuais, subsidiariamente à disposição dos aplicadores do direito (art. 769, da CLT), como, por exemplo, as medidas cautelares, antecipação de tutela, ação monitória e o Código do Consumidor, naquilo em que compatível. No âmbito coletivo, enquanto existir poder normativo, que este seja restrito (por alteração legal, é claro) aos tribunais regionais como instância única ou ao TST, originariamente, no caso dos conflitos que suplantarem a jurisdição dos regionais.

Por fim, é absolutamente urgente e necessário que se acabem – por lei – os privilégios oferecidos aos entes públicos no processo, os quais servem para desequilibrar a relação entre as partes, com ofensa ao devido processo legal, e eternizar o oferecimento e execução da prestação jurisdicional.

Junho de 1998.

RAIMUNDO SIMÃO DE MELO

PROCURADOR-CHEFE DO MPT/15ª REGIÃO-CAMPINAS

Pós-Graduado em Direito do Trabalho pela FADUSP. Professor de Direito e Processo do Trabalho.

Nota:

Artigo publicado:
1. na revista TRABALHO EM REVISTA nº 193, agosto 1998, Encarte Doutrina, páginas 429 a 432;
2.na revista PANORAMA DA JUSTIÇA, ano 3, nº 13 – Agosto/Setembro – 1998, páginas 48 a 50;
3.No Boletim Arcas de Direito do Trabalho, nº 18-98, ano IX-98, Setembro – 2ª quinzena, Seção IV, páginas 82 a 79; e
4.na revista TRABALHO EM REVISTA nº 195, outubro 1998, Encarte Doutrina, páginas 471 a 474.

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