A Ética e a Reclamação Trabalhista
Autor: José Celso Martins*
Fonte: Revista do Direito Trabalhista – Ano 12 – Nº 05 – Maio de 2006 – pág. 31
O Direito trabalhista brasileiro, como hoje conhecemos, começou a ser escrito em 1932. A CLT, promulgada em 1943, sob a égide do Estado Novo de Getúlio Vargas, trazia a informação social de um Brasil muito diferente daquele que hoje conhecemos. O Brasil de 1940, numa economia ruralista, trocou este perfil para uma sociedade industrializada e capaz de concorrer com alta tecnologia com os países de primeiro mundo e não é por incapacidade que não temos sinais de evolução e de melhor participação na economia mundial.
A partir de 1950, o Brasil inverteu um quadro de população demograficamente instalada no campo para uma população urbana. Hoje, mais de 70% da população ocupa os grandes centros. Atualmente, o homem urbano tem acesso a quase todos os meios de comunicação e as informações pulsam por todos os lados em jornais, revistas, rádio, televisão e internet. Os meios de comunicação dividem espaço com o poder instituído.
A comunicação via rede, cabo, satélite, rádio, internet leva, a cada ponto do planeta, informações que tornam o mundo cada vez mais igual. Portanto, podemos conhecer as diferenças sociais e econômicas de maneira mais pontual, já que hoje podemos “ver tudo”.
O que observamos nas questões levadas à Justiça do trabalho, e na maneira como o Poder Judiciário tem se manifestado sobre cada ação, é que não há desinformação ou hipossuficiência do trabalhador, mas sim uma discussão ética e moral entre o que foi contratado e o que a rigidez da lei aplica ao caso concreto.
Não existe a ausência de informação ou a ignorância quanto ao que está sendo contratado entre o empregado e o empregador. Todos, salvo raras exceções que poderão ser facilmente percebidas, têm acesso a todos os meios de comunicação e não agem ou aceitam condições por ignorância ou desconhecimento do direito, aceitam em razão de circunstâncias e conveniências recíprocas.
Não há sentido, portanto, que a Justiça do Trabalho e os operadores do direito continuem a falar em hipossuficiência do empregado, especialmente nos grandes centros, e principalmente quando o fato é de relevância social e envolve fraude.
A hipossuficiência que se reconhece ao empregado não se refere a sua ignorância ou desconhecimento quanto aos seus direitos, mas sim quanto ao desnível econômico que existe na relação empregado-empregador. A própria CLT admite, para o reconhecimento da relação de emprego, a dependência econômica. A partir dessa observação legal, temos que reconhecer que todas as outras serão acessórias.
É o que está ocorrendo com relação ao seguro-desemprego, questão de grande relevância social que vem sendo objeto de fraude constante promovida por empregados e empregadores. O empregado em gozo do benefício do seguro-desemprego inicia nova relação de emprego sem a devida anotação em sua CTPS, fato que ocorre com o conhecimento e conivência do empregador. Tal procedimento leva prejuízo ao Estado que, para solucionar a burla, aumenta a burocracia para a manutenção do sistema. O Poder Judiciário, de outro lado, faz vistas grossas, como se não fosse de sua responsabilidade conhecer as fraudes e coibi-las exemplarmente.
Diante desse quadro, a quem devemos atribuir a fraude? Ao empregado que pleitea o benefício indevido? Ao empregador que aceita empregado nessas condições ou à Justiça do Trabalho que, conhecedora de tal fraude, não adota as atitudes que, de ofício, deveria adotar?
A questão nos parece de ordem ética e envolve todas as classes sociais – trabalho, capital e Estado – e desta forma, que país estamos construindo?
Os advogados, profissionais destacados na organização do Estado no cumprimento da ética e na promoção da Justiça também tem faltado com o seu compromisso.
Ao advogado é atribuída a responsabilidade de permitir à sociedade o amplo acesso à Justiça e o seu trabalho faz a mediação entre o particular e o Estado. No entanto, mesmo diante de tão nobre atribuição, sua atividade, muitas vezes, vem norteada de ilicitudes e irregularidades das quais tem conhecimento e que muitas vezes as fomenta, sem que houvesse a iniciativa da própria parte.
Ações são levadas perante a Justiça do Trabalho sem qualquer fundamento ético e moral e tal fato ocorre mesmo quando o advogado tem pleno conhecimento das irregularidades que fundamentam a ação impetrada.
Esse fato, em se tratando de questões trabalhistas, é ainda mais acentuado. Pedidos de horas extras, de comissões e de verbas rescisórias que o advogado tem conhecimento que foram pagas, dentre tantos outros, são pedidos absurdos e comuns. Pedidos de R$ 30.000,00 que terminam em acordos de R$ 2.000,00, parcelados, revelam um abuso de pedir com expectativas absurdas como a revelia da parte ou a impossibilidade de realização de alguma outra prova, são justificativas utilizadas pelos profissionais.
Todas essas observações nos remetem a uma única conclusão: não existe ética nas relações perpetradas em nossa sociedade e isso se conhece desde o mais alto poder do Estado até o mais simples e humilde (mas não hipossuficiente) trabalhador.
A impunidade provoca comportamentos, cria valores e sentimentos individuais e de massa que não podemos, ao certo, avaliar as proporções. Criar normas e benefícios para serem objeto de ilícitos no qual todos pactuam e todos concordam é uma aberração sem propósito.
A punição deve vir para todos e a ética deve ser praticada e estimulada em todos os níveis. Para que prevaleça a ética, o ideal é que as reclamações trabalhistas sejam recebidas com respeito a lei e ao contrato, e deve também ser observada sempre qual é a condição das partes envolvidas, sem a prevalência da lei de forma indiscriminada.
O advogado deve ser punido todas as vezes que ingressar com ação desprovida de fundamento fático de fácil identificação em razão do seu dever de ofício. As empresas devem igualmente ser punidas quando pactuarem questões ilícitas que tenham repercussões de ordem pública e coletiva.
Ao Estado-juiz, que está na ponta de todo esse processo, cabe a responsabilidade de conhecer o caso concreto e responder à sociedade com a segurança de quem deve fazer cumprir a lei e atender aos preceitos individuais e sociais nela implícitos, e não simplesmente entender que seu nobre ofício seja encerrar um processo.
É odiosa a indiferença com que as atitudes éticas e corretas são tratadas por todos, e especialmente pelo Estado, dando a impressão de que o antiético está sempre em vantagem e o devedor, sempre correto. É histórica a condição de que temos um Estado paternalista que está, cada vez mais, construindo uma sociedade irresponsável e incapaz de perceber a diferença entre o que é benefício e o que é crime.
Não educamos um filho ou criamos um homem a partir de atos paternalistas e irresponsáveis, ou a partir de atos injustos e imorais. A severidade das decisões deve ser vista como um exemplo à coletividade para que se possa construir uma nação forte e capaz, diferente do que temos conhecido e praticado ao longo desses 500 anos.
José Celso Martins é advogado, mestre em Direito Político e Econômico e pós-graduado em Direito empresarial pela Universidade Mackenzie; contador, pedagogo e professor da Universidade Metodista de São Paulo; fundador e presidente do TASP – Tribunal Arbitral de São Paulo; autor do livro “Arbitragem, mediação e conflitos coletivos do trabalho”.