Autor: José Celso Martins - Presidente do Tribunal Arbitral de São Paulo - TASP

Fonte: Revista da Faculdade de Direito, Universidade Metodista de São Paulo, v. I, n. I. São Bernardo do Campo: UMESP,2004, p. 271.

A velocidade tecnológica dos dias atuais imprime comportamento diferente a toda sociedade que, a cada dia, conhece novas necessidades que justificam a utilização de novos instrumentos e ferramentas para o desenvolver do seu dia-a-dia. Computadores, celulares, internet... hoje não sabemos mais viver sem essa tecnologia. O Direito, na busca de acompanhar os novos tempos, também precisa de alternativas de pacificação compatíveis com a atual dinâmica social Essa busca remeteu-nos a utilização de instrumentos conhecidos na história e presentes em nosso Direito, porém, não utilizadas com a freqüência e com o valor devido, quais sejam: a mediação e a arbitragem exercidas por privados que, em volta a outros interesses e despojados da burocracia e da lentidão da máquina estatal, podem proporcionar resultados compatíveis com a atual velocidade das relações sociais.

A história nos ensina que desde a mais rude formação social, o homem criou maneiras de tutelar a justiça, que passou a ser interpretada a partir de princípios sociais e religiosos. A princípio, havia a autotutela, que é a defesa exercida pelo próprio ofendido ou por grupos. Com a evolução social, o homem passou a transferir o poder de decisão das controvérsias a terceiros. O exercício de solução de controvérsias era cumprido pelo privado, e somente com a expansão do Império Romano passou-se a conhecer a jurisdição pública estatal, e assim descobrimos que o exercício da pacificação de conflitos pela sociedade privada antecede a ordem de jurisdição que hoje conhecemos quase como única via para a solução das controvérsias decorrentes das relações sociais.

A solução de controvérsias pela arbitragem conheceu muitos berços e sempre, de alguma forma, esteve presente na vida do homem em sociedade. Em Roma, desde 754 a.C., já havia arbitragem, que era utilizada de duas formas: o processo das legis actiones e o processo per formulas. Na Grécia, a regra geral era que as funções do árbitro se dividissem em duas fases: a fase da tentativa de conciliação, em que o árbitro procurava resolver o litígio com a aproximação das partes e a composição do litígio, e a fase puramente arbitral, em que a sentença era proferida.

O árbitro visava à equidade, enquanto que o juiz tinha por objetivo aplicar a lei. Portanto, ao se invocar o árbitro, tinha-se por objetivo maior uma decisão por equidade. A mitologia grega traz muitos exemplos que demonstram a utilização de laudo arbitral nas dissensões entre deuses, em que o instituto da mediação sempre esteve presente. Também nas questões de limites entre as cidades-Estados, a

arbitragem era utilizada amplamente. A arbitragem aperfeiçoou-se no período Justiniano. Na Idade Média, a sociedade feudal também utilizou a arbitragem e a mediação na solução de conflitos, inclusive internacionais, tendo-se em vista a intervenção da Igreja Católica em todos os principados. O Papa era considerado árbitro supremo, enquanto que os bispos e senhores feudais se valiam mais da mediação. Mais recentemente, "centros internacionais ou associações privadas dedicaram-se a elaborar estudos e propostas para harmonização de certas normas aplicáveis a contratos internacionais e à arbitragem, visando, quanto possível, a contornar as dificuldades entre países de civil law e de common law, cujas posturas apresentavam dicotomias de interpretação.

A título de exemplo: a International Law Associaction (ILA), o Instituto para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) e, no âmbito da ONU, a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio Internacional, conhecida por UNCITRAL (em inglês) ou CNUDCI (em francês), criada pela Resolução n. 2.205/XXI, de 17.12.1966 da Assembléia Geral. Acrescente-se, também, o trabalho da Academia Interamericana de Direito Internacional e Comparado. Com o objetivo de desenvolver estudos progressivos e unificar as leis de comércio internacional, bem como de preparar ou promover a aceitação de novas convenções internacionais, leis uniformes e lei-modelo, a UNCITRAL teve aprovada, de modo definitivo, em 1985, a lei-modelo, de vocação universal, aceita por vários países, mas que o Brasil não incorporou. Todavia, serviu de inspiração ao legislador brasileiro da Lei n. 9.307/96, ora vigente".(1)

O instituto da arbitragem, suas vantagens e desvantagens no atual sistema jurídico brasileiro, os procedimentos, a validade e a eficácia da pacificação promovida pela via arbitral devem ser do interesse de todos e em especial daqueles formadores de opinião e detentores dos instrumentos, que possibilitem e visem a pacificação social.

Os procedimentos a serem utilizados para a solução dos conflitos pela via arbitral poderão ser determinados pelas partes em conflito, que podem adaptá-los às suas necessidades econômicas de acordo com as possibilidades jurídicas dos interesses em questão.

A utilização da arbitragem, prevista na lei 9307/96, na verdade, acena para uma amplitude maior de pacificação do que aquela indicada em seu título. A mediação está prevista na Lei de Arbitragem, em seu artigo 21, parágrafo 4º, que indica a mediação e a conciliação como atos processuais de interesse, a serem praticados durante os procedimentos arbitrais, na busca da solução do conflito, e por isso a afirmação de que a arbitragem sempre prescinde da mediação e da conciliação.

A arbitragem e os outros meios alternativos não estatais para a solução de conflitos poderão proporcionar soluções mais adequadas ao interesse das partes, além de serem freqüentemente mais rápidos e produzidos por pessoas especializadas e comprometidas.

A sociedade brasileira vive constantes intempéries em sua economia e as mudanças de regras são freqüentes e dinâmicas, de tal sorte que a validade de uma postura ou comportamento econômico, em determinado momento, poderá ser absolutamente desastrosa e inaplicável, em outro, fato que ocorre com freqüência em razão da demora da solução de um litígio levado ao Poder Judiciário. A solução judicial de um litígio poderá levar anos a fio para ser decidida, chegando, em alguns casos, a dois, três ou até cinco anos (quando é objeto de recurso).

Nessa hipótese, quando a decisão final ocorrer, a validade e a eficácia dos seus termos poderão ser inócuos e inaplicáveis, especialmente se ocorrerem mudanças de regras na política econômica, fato que repetidas vezes ocorreu no Brasil, nos últimos anos.

Todas as vezes que submetemos um litígio ao Estado-juiz criamos uma série de situações absolutamente sem controle e com isso geramos: a) Impossibilidade de controle do tempo para a decisão final do litígio;

b) impossibilidade de escolha quanto aos procedimentos a serem utilizados na solução do conflito; e c) impossibilidade de escolha das pessoas que irão promover a pacificação de forma comprometida e especializada.

No entanto, quando confiamos nosso litígio ao juiz privado abrimos a possibilidade de termos não somente um juiz imparcial e de nossa confiança, como também alguém especializado nas questões objeto do conflito. A utilização de árbitros se justifica diante da impossibilidade da autotutela, como explica Figueira Júnior: "Na verdade, com a supressão praticamente absoluta da autotutela, o Estado-juiz e os árbitros ou os tribunais arbitrais passam a figurar como uma espécie de substitutos imparciais dos litigantes, à medida que realizam função cognitiva das pretensões e, através do poder que lhes foi conferido, dizem e constituem o direito de uma das partes envolvidas no conflito, compondo-se a lide".(2)

A Lei de Arbitragem, em seu artigo 18, prevê que o árbitro é juiz de fato e de direito e que sua decisão não fica sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário. Assim, o árbitro tem poder de jurisdição nos estreitos limites meritórios determinados pelas partes. Figueira Júnior ensina que "a função jurisdicional pode ser exercida também por intermédio de privados, desde que a eles se reconheça
possibilidade de emanar atos capazes de fazer compor o conflito existente entre as partes litigantes, ou seja, de excluir definitivamente a discussão a respeito da matéria controversa".(3)

No mesmo sentido, Carlos Alberto Carmona indica que "o legislador optou, assim, por adotar a tese da jurisdicionalidade da arbitragem, pondo termo à atividade homologatória do juiz, fator de emperramento da

arbitragem". E cita Giovanni Verde, que ensina que "a experiência tumultuosa destes últimos quarenta anos nos mostra que a imagem do Estado onipotente e centralizador é um mito, que não pode (e talvez não mereça) ser cultivado. Deste mito faz parte a idéia de que a justiça deva ser administrada em via exclusiva pelos seus juízes".(4)

Na verdade, os procedimentos exercidos perante a Justiça Estatal e o procedimento adotado pela via arbitral são dois modos distintos de jurisdição, porém ambos têm por objetivo a pacificação de conflitos.

Tanto os magistrados quanto os árbitros são juízes, sendo que os primeiros são juízes públicos, nomeados pelo Estado, a partir de concurso público (sendo função de carreira devidamente regulamentada de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional), enquanto que os segundos são juízes privados, de confiança das partes e por elas eleitos para solução de objeto específico, por meio de contrato.

Os árbitros deverão ser eleitos pelas partes, que poderão optar por pessoas eqüidistantes. A Lei n. 9.307/96 não faz qualquer distinção nem exige qualquer especialização do árbitro, fazendo constar "pode ser árbitro qualquer pessoa capaz e que tenha a confiança das partes" (art. 13), porém eles sofrerão as restrições de suspeição e impedimento conhecidas igualmente para o juiz togado (art. 14), quais sejam,

serem declarados suspeitos ou impedidos quando forem parentes, amigos íntimos ou inimigos confessos, terem sido procuradores de qualquer das partes ou terem interesse na solução do conflito.

A liberdade de escolha quanto à pessoa dos árbitros (observadas as restrições acima anotadas) permite às partes a utilização de trabalho especializado. Os árbitros poderão ser profissionais experts das áreas

nas quais o conflito esteja ocorrendo. O árbitro, diferentemente do Juiz togado, pode decidir por direito ou eqüidade, conforme o que for determinado pelas partes, condição que deverá constar expressamente

no termo de início do procedimento arbitral. No Brasil, a exemplo do que ocorre no direito argentino, os árbitros têm o poder de conhecer o conflito e, quanto às controvérsias, proferir decisão de mérito.

Portanto, confere-se aos árbitros o elemento jurisdicional essencial, mas não se autoriza o uso dos meios de coerção, visto que estes somente cabem ao Juiz Estatal. Dessa forma, a execução da decisão

arbitral, quando não cumprida, caberá sempre ao juiz ou tribunal que seria o competente para conhecer daquela ação, pois a coerção ao cumprimento das decisões cabe somente ao Estado.

Segundo Amauri Mascaro Nascimento, "o árbitro distingue-se do mediador. O mediador propõe. O árbitro decide, portanto, impõe. Difere também o árbitro do juiz. Ambos decidem. O juiz, no entanto, o faz investido pelo Estado de funções jurisdicionais. O árbitro não é um juiz. Pode ser um particular".(5)

Quanto ao alcance, a validade e a eficácia dos atos praticados pelos árbitros, assinalou Alfredo Ruprecht que "o árbitro não atua como juiz, dado que está sujeito a um procedimento determinado; nem está obrigado a aplicar uma norma e, por outra parte, pode criar direito, o que o juiz não pode fazer".(6) Ao árbitro é permitido decidir fora das regras do direito positivo, desde que as partes assim determinem, na convenção arbitral.

Em regra, "trata-se de decidir pelo bom senso, pela razão do justo, sendo essa possibilidade prevista no artigo 8º da CLT, que permite às autoridades administrativas e à Justiça do Trabalho decidirem, à falta de disposições legais ou contratuais, também por eqüidade. É meio utilizado pela Corte Internacional de Justiça, de Haia, cujo Estatuto prevê, no artigo 38, 2, a faculdade de aquele Tribunal decidir
uma questão ex aequo et bono, 'se as partes com isso concordarem'."(7)

O árbitro poderá decidir quanto à necessidade da adoção de medidas cautelares ou de urgência, sendo que a coerção, se necessária, será sempre exercida pelo Poder Judiciário; já a possibilidade de decisão por equidade deverá estar prevista no termo de início do procedimento arbitral. Os árbitros, no exercício de suas funções, ficam equiparados aos funcionários públicos, para os efeitos da legislação penal (art. 17).

Referida equiparação possibilita às partes maior confiança quanto aos trabalhos a serem realizados pelo árbitro, que ficará sujeito a tipificação de crimes que somente o funcionário público responde, tais como corrupção passiva, prevaricação, concussão etc. Essa responsabilidade é por demais saudável para o bom andamento dos trabalhos e para a consecução do resultado final, com compromisso e responsabilidade.

O exercício de jurisdição praticado pelo particular assume a condição de ato público na medida em que possui o respaldo do Estado para sua efetivação e cumprimento, se for necessário, e por ter cumprido ato de interesse público e constitucional, que é o de promover a pacificação e de distribuir justiça. O árbitro é juiz de fato e de direito e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação do Poder Judiciário (art. 18).

A força e o poder atribuídos ao árbitro são, na verdade, parte das profundas alterações trazidas pela Lei 9.307/96. Antes da vigência da atual Lei de Arbitragem, a decisão arbitral necessitava de homologação judicial para sua validade e eficácia. Tal fato praticamente inviabilizava a utilização do instituto, já que a necessidade da via judicial para a homologação da decisão implicava em morosidade, ante a possibilidade de recursos possíveis, o que afastava um dos maiores benefícios que a arbitragem proporciona que é justamente a agilidade nas decisões.

O árbitro, no cumprimento de seu mister, poderá tomar o depoimento das partes, ouvir testemunhas, determinar perícias ou se socorrer de todos os meios de prova que entender sejam necessários para o melhor desenvolvimento de seu trabalho (art. 22 da Lei n. 9.307/96). Poderá, ainda, decidir liminarmente matérias referentes a tutelas acautelatórias, antecipatórias, inibitórias e medidas coercitivas, sendo que a desobediência ou descumprimento das partes ou de terceiros envolvidos com a lide permitirá ao árbitro solicitar assistência judicial para o cumprimento do ato, visto que o poder de coerção e cumprimento das decisões caberá sempre e somente ao Estado.

A escusa do árbitro em aceitar a indicação para o exercício da função deverá ocorrer no momento da assinatura da convenção de arbitragem, no início do procedimento. O árbitro tem a obrigação de, nesse ato, declinar se é suspeito ou impedido nas condições legais previstas para tanto, sob pena de prática de crime de responsabilidade, em razão da investidura que assume na função de árbitro perante as partes (art. 12, I). Nesse caso, as partes poderão indicar outro árbitro, que deverá estar previsto como suplente do primeiro ou, na sua falta, a indicação poderá ocorrer conforme as regras e o regulamento interno da instituição arbitral eleita para a solução do conflito.

A falta de indicação de árbitro substituto ou a expressa recusa das partes na aceitação de outro árbitro poderá implicar na extinção do compromisso arbitral, impossibilitando assim o início dos trabalhos para a instalação do procedimento arbitral. Ocorrendo o falecimento ou a absoluta impossibilidade de prosseguimento do árbitro eleito na função, o cargo será imediatamente ocupado pelo seu suplente ou, na sua falta, poderão as partes, de comum acordo, indicar outro, ou poderá ainda a substituição ocorrer conforme o regulamento interno da entidade arbitral eleita para a solução do conflito.

Por fim, não havendo previsão de árbitro substituto, nem acordo para a sua substituição, igualmente ficará extinto o compromisso arbitral. Entendemos que a substituição do árbitro, em qualquer das hipóteses

acima anotadas, uma vez firmada a convenção arbitral, poderá ser feita por indicação do Poder Judiciário, conforme prevê o artigo 7º da Lei n. 9.307/96, evitando-se assim a extinção do compromisso arbitral, ficando afastada essa possibilidade somente quando as partes expressamente declararem não aceitar a substituição dos árbitros para a solução do conflito pela via arbitral.

Quando as partes se valem do procedimento arbitral para a solução de um litígio não se está privatizando a justiça ou o processo, mas sim estamos admitindo que atos praticados por particulares tenham a força daquele praticado pelo público. A arbitragem exercida por particulares torna o processo (mesmo não sendo conduzido pelo Poder Público) revestido de caráter público. Nota: Processo, na melhor definição

emitida pelo ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, é o "conjunto de atividades instrumentalizadas no sentido da solução da lide, afirma-se e legitima-se pelo próprio desenvolvimento como encadeamento de atos - donde a palavra processo = pro + cedere: pender para a frente, ir adiante, caminhar, progredir". (A arbitragem no sistema jurídico brasileiro, Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 735, p. 39-48, jan. 1997, p. 41).

Segundo Barbosa Moreira, "particulares são, com freqüência, autorizados ou chamados a colaborar na atividade judicial tendente à decisão de lides, quer provocando-a, pela iniciativa de instaurar processos -

como se dá com os cidadãos na ação popular, e eventualmente com associações privadas na ação civil pública -, quer participando diretamente dela, pela emissão de pronunciamento sobre o desfecho que se há de

dar ao pleito - é o que acontece no tribunal do júri e na Justiça do Trabalho. Pois bem: a meu ver, longe de ser o processo que assim se privatiza, ao contrário, os particulares é que vêem sua atividade revestida de caráter público. Dá-se, a bem dizer, publicização, e não privatização".(8)

O acesso à justiça e o auxílio proporcionado pelas vias não-estatais O Estado sofre inúmeras dificuldades em administrar sua estrutura e suas finanças. Para a administração pública tudo é mais difícil e burocrático. A contratação de pessoal, instalação de novas Varas, a compra de equipamentos e demais condições necessárias para prestação do serviço público. Assim, apesar do crescimento da população, da complexidade e especialidade das relações sociais está muito difícil ou quase impossível pensarmos que pelas vias públicas poderá haver a ampliação do acesso à justiça.

A incapacidade do Estado de permitir o acesso à justiça a todos igualmente fere sagrado princípio constitucional. É o que nos ensina Cândido Dinamarco: "o acesso à justiça é a síntese de todos os princípios

e garantias do processo, seja a nível constitucional ou infraconstitucional, seja em sede legislativa ou doutrinária e jurisprudencial. Chega-se à idéia do acesso à justiça, que é o pólo metodológico mais importante do sistema processual na atualidade, mediante o exame de todos e de qualquer um dos grandes princípios".(9)

Quando falamos da utilização do procedimento arbitral, falamos no sentido de ampliar o acesso à justiça previsto na Constituição, e não o contrário, como equivocadamente pensam alguns. Sobre o tema, salienta com muita propriedade Kazuo Watanabe(10) , ensinando que "a problemática do acesso à justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim viabilizar o acesso à ordem jurídica justa". E conclui: "uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja, do destinatário das normas jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do acesso à justiça traz à tona não apenas um programa de reforma, como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti" .(11)

A impossibilidade do Estado de atender a necessidade da sociedade de acesso à justiça não ocorre somente no Brasil: "No âmbito da Justiça, em dimensões mundiais, a realidade está a demonstrar a insatisfação

generalizada com a ineficiência da solução jurisdicional estatal, o que tem levado estudiosos e organizações, oficiais ou não, a buscar soluções, instituindo órgãos de planejamento permanente, criando escolas de formação e aperfeiçoamento, promovendo seminários locais e internacionais, investindo em pesquisa em meios alternativos de resolução de conflitos.Nenhum desses mecanismos alternativos, entretanto, tem a eficácia, a aceitação e a tradição da arbitragem, destinada às grandes causas e às causas de grande complexidade, que tem como virtudes a informalidade, o sigilo, a celeridade, a possibilidade do julgamento por eqüidade e a especialização dos árbitros".(12)

A propósito, Ada Grinover discorre sobre o tema, afirmando, sem temor, que "a crise da Justiça está na ordem do dia: dissemina-se e serpenteia pelo corpo social, como insatisfação dos consumidores de Justiça, assumindo as vestes do descrédito nas instituições; atinge os operadores do direito e os próprios magistrados, como que impotentes perante a complexidade dos problemas que afligem o exercício da função jurisdicional; desdobra-se em greves e protestos de seus servidores; ricocheteia, enfim, pelas páginas da imprensa e ressoa pelos canais de comunicação de massa, assumindo dimensões alarmantes e estimulando a litigiosidade latente. A Justiça é inacessível, cara, complicada, lenta, inadequada. A Justiça é denegação de Justiça. A Justiça é injusta. Não existe Justiça. Nos países em que a função

jurisdicional é desempenhada exclusivamente pelo Poder Judiciário, a crise da Justiça confunde-se e se identifica com a crise do Judiciário e de seus membros. Crise da Justiça, crise do Judiciário, crise da Magistratura. Tudo é levado de roldão, como que a fazer tabula rasa das instituições, dos Poderes, dos homens que os constituem, do produto que geram. E no entanto, há que distinguir. Em primeiro lugar,
porque a crise não tem apenas aspectos negativos, mas indica um fenômeno próprio da evolução e transformação. A crise, prospectivamente, leva - ou ao menos deveria levar - à renovação, segundo os esquemas adequados à realidade emergente. Em segundo lugar, porque há que extremar, na crise que se generaliza como sendo própria do Judiciário, seus diversos aspectos, ora atinentes à crise estrutural de um dos Poderes do Estado, ora relativos à crise institucional que surge no delicado jogo de equilíbrio entre os Poderes, ora peculiares à mentalidade dos operadores da Justiça, ora próprios da inadequação dos controles sobre o exercício da função jurisdicional".(13)

As dificuldades, tão bem elencadas por Ada Grinover, indicam que novas alternativas devem estar na ordem do momento histórico em que vivemos, para que se possam conhecer novas modalidades de pacificação social e assim auxiliar o Estado nessa tarefa. A utilização da arbitragem, no dizer de Figueira Júnior, "em nada afronta a Lei Maior, enfraquece ou desprestigia o Judiciário. Muito pelo contrário, vem para minimizar a crise jurisdicional e permitir ao Estado-juiz que dirija a sua atividade principal à solução dos conflitos que não podem, por questões de ordem pública, ser conhecidos pela justiça privada.

Haverá sim - e o tempo há de ser a maior testemunha do que se afirma - o revigoramento da legitimação do Poder Judiciário perante o povo brasileiro e a reestruturação de nossa cultura jurídica, à medida que se oferecem ao povo mecanismos diversificados, alternativos, de composição de seus conflitos".(14)

A impossibilidade do Estado de melhor aparelhar o Poder Judiciário, em razão das atuais condições sociais e econômicas e a necessidade premente da sociedade de ter seus conflitos mais rapidamente pacificados, remete na busca das vias alternativas não estatais (a mediação, a conciliação e em especial a arbitragem) para que possamos ampliar o acesso à Justiça e tratar com especialidade e agilidade a solução dos conflitos, resgatando a dignidade e ampliando a democracia e a cidadania do povo brasileiro.

Para Figueira Júnior, "o princípio do amplo acesso à justiça não se restringe a jurisdição estatal, mas se estende também à jurisdição privada"(15).

Importante nesse passo ressaltar que a justiça não é prática devida somente pelo Estado, mas deve estar presente e ser praticada por toda a sociedade. Hans Kelsen, em seu estudo "O problema da justiça" destaca que a justiça é uma qualidade ou atributo que pode ser afirmado de diferentes objetos. O homem pode ser justo ou injusto e, nesse sentido, a justiça é representada como uma virtude dos indivíduos. Como todas as virtudes, também a virtude da justiça é uma qualidade moral; e, nessa medida, a justiça pertence ao domínio da moral(16).

A justiça deve ser vista como um valor social, que se altera no tempo para uma mesma sociedade, porém o seu reconhecimento e a sua prática, como conduta humana, devem ser exercidos por cada indivíduo que tem como base a moral e o direito positivo, estando, portanto o seu exercício sob a égide e responsabilidade de todos que vivem em

sociedade.

Os procedimentos a serem realizados pela via arbitral serão o tempo todo controlados pelas partes, que assim assumem a responsabilidade pelo conflito que geraram. As partes também convencionam o tempo máximo para a resolução do conflito e escolhem os mediadores ou árbitros que irão atuar na solução do litígio. A nova Lei de Arbitragem, sancionada em 1996, prevê prazo máximo de seis meses para a solução de um conflito que lhe for submetido, sob pena de nulidade da decisão ser considerada nula. Os árbitros concorrem, ainda, com a possibilidade de serem pessoas especializadas e de terem formação diversa da exclusivamente jurídica, podendo ser indicados pelas partes, que estarão assim tendo a liberdade e o compromisso de escolherem o seu melhor julgador. A pauta dos assuntos é sempre sobre questões atuais e presentes e a solução rápida poderá melhor atender aos interesses de todos os envolvidos no processo.

Destacamos a seguir algumas razões que justificam a utilização dos meios alternativos não estatais na solução dos conflitos: a) São meios mais ágeis e menos formais, portanto mais adequados às condições sociais e econômicas brasileiras; b) comprometem as partes, desde a escolha do árbitro até a final solução pois, no litígio interposto perante o Poder Judiciário, não existe compromisso com o tempo de solução, nem com as pessoas que estarão decidindo o conflito; c) as soluções obtidas em conformidade com a Lei de Arbitragem têm a mesma eficácia e validade das proferidas pelo Poder Judiciário.

Assim, o compromisso de pacificação social, hoje, não pode mais ser submetido somente ao Estado que se encontra sobrecarregado em sua estrutura e tem sua capacidade gerencial bastante prejudicada pela atual conjuntura social e econômica imprimida pela nova dinâmica tecnológica do mundo globalizado. É importante que tenhamos uma justiça de resultados, a ser alcançada através da socialização do processo com maior participação da sociedade privada organizada, que pode com o advento da nova lei de arbitragem estabelecer outra relação entre o jurisdicionado e a justiça.

Promover a justiça não é tarefa exclusiva do Estado. Todos que vivem em sociedade têm o dever de manter relações justas, cumprir a lei e buscar o bem comum. Questões de ordem patrimonial privada podem ser dirimidas pela própria sociedade organizada para esse fim, sem que isso venha ferir qualquer princípio constitucional de ordem pública. Cabe a sociedade privada, em nome do desenvolvimento e humanização do acesso à justiça, promover outros meios de pacificação, desobstruindo o Poder Judiciário de questões de ordem patrimonial, visto que estas interessam normalmente aos privados.

As vantagens e desvantagens da via arbitral

A utilização do procedimento arbitral provoca, geralmente, reação positiva na doutrina e tal fato decorre, dentre outras razões, porque "a arbitragem é mais simples e objetiva, e os julgadores, além de imparciais, são técnicos especializados na área científica sobre a qual recai o objeto litigioso e, via de regra, do mais alto quilate científico e respeitabilidade. Esses atributos conferem às partes um julgamento seguro e rápido, sobretudo se confrontado com os atropelos verificados na jurisdição pública".(17)

Das desvantagens da utilização do instituto da arbitragem, a mais freqüentemente apontada está relacionada ao seu custo, visto que, como regra, as despesas do processo arbitral normalmente serão superiores às decorrentes do processo estatal. Além disso, "outro perigo está em que o tribunal arbitral, que se crê eqüitativo, pode impunemente desconhecer as leis vigentes, alterando assim a ordem social".(18)

A possibilidade da utilização da via alternativa da arbitragem poderá representar mais do que um procedimento inserido no Código de Processo Civil, "porquanto a Lei n. 9.307/96 representa muito mais do que isso, ou seja, significa verdadeira revolução em nossa cultura jurídica à medida que coloca lado a lado a jurisdição estatal e a privada, à escolha do jurisdicionado. O direito processual civil precisa

retomar a sua dimensão social, adequando-se historicamente às realidades e necessidades dos novos tempos, a começar pelo rompimento do mito do monopólio estatal da jurisdição".(19)

Afirma Carlos Alberto Carmona, "exorcizado o terror da imposição da cláusula arbitral em todo e qualquer contrato, estarão abertas as portas à reforma do Código de Processo Civil, sem o temor de enfraquecer o Poder Judiciário e sem violar o princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, XXXV, da CF), já que a preconizada dispensa do procedimento homologatório do laudo não importará a isenção de controle pelo Estado".(20)

Diante desse quadro, Cândido Dinamarco reconhece vantagens na arbitragem, assinalando que, "é natural a melhor disposição dos litigantes, em cumprir voluntariamente uma decisão dada em processo que eles consensualmente resolveram instaurar, do que no processo contencioso instaurado por iniciativa unilateral do autor".(21)

Por fim, Marco Antonio de Barros obtempera que "se o juízo arbitral e a mediação forem
utilizados corriqueiramente, por certo o Estado se desincumbirá da função jurisdicional com melhor proveito para a sociedade e em perfeita sintonia com o pensamento instrumentalista". (22)

A via arbitral, como qualquer dos institutos utilizados na busca da pacificação social, sempre apresentará vantagens e desvantagens, dependendo do momento histórico e das partes envolvidas em cada caso. A utilização do procedimento arbitral tende a apresentar mais vantagens, em razão da possibilidade das partes escolherem os seus julgadores, que poderão ser profissionais especializados e conhecedores das questões objeto de controvérsia.

A nova lei de arbitragem possui todas as características de modernidade impostas pelos novos tempos e sua utilização depende somente da informação que deve ser gerada por meio dos formadores de opinião do mundo jurídico para que com este compromisso se estabeleça uma nova condição e ordem social.

1. Georgette Nacarato Nazo, Arbitragem: um singelo histórico, Revista do Advogado, São Paulo, AASP, n. 51, p. 27-28, out. 1997.

2. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução: análise crítica da Lei 9.307, de 23.9.1996. 2. ed. rev. e atual. do Manual da arbitragem. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 136.

3. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução..., cit., p. 153.

4. Giovanni Verde, Profili del processo civile: parte generale, p. 66, apud Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 38.

5. Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao direito do trabalho, 22. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 1996, p. 502.

6.Alfredo Ruprecht, Conflitos coletivos do trabalho, Conflitos coletivos do trabalho. Tradução de José Luiz Ferreira Prunes. São Paulo: LTr/EDUSP, 1979, p. 232.

7. Georgenor de Souza Franco Filho. A nova lei de arbitragem e as relações de trabalho. São Paulo: LTr, 1997, p. 26.

8. José Carlos Barbosa Moreira, Temas de direito processual: sétima série, São Paulo: Saraiva. 2001, p. 9.

9. Cândido Rangel Dinamarco, A instrumentalidade do processo, 8. ed., São Paulo: Malheiros, 2000, p. 304.

10. Kazuo Watanabe, Acesso à justiça e sociedade moderna, in Ada Pellegrini Grinover; Cândido Rangel Dinamarco; Kazuo Watanabe, Participação e processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128.

11. Mauro Cappelletti, Os métodos alternativos de solução dos conflitos no quadro do movimento universal de acesso à Justiça. Revista de Processo, São Paulo, v. 19, n. 74, p. 82-97, abr./jun. 1994.

12. Sálvio de Figueiredo Teixeira, A arbitragem no sistema jurídico brasileiro, cit., p. 48.

13. Ada Pellegrini Grinover, A crise do Poder Judiciário, Revista da Procuradoria Geral do Estado de São Paulo, São Paulo, n. 34, p. 12, dez. 1990.

14. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução..., cit., p. 111.

15. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem (legislação nacional e estrangeira) e o monopólio jurisdicional, São Paulo: LTr, 1999, p. 42.

16. Hans Kelsen, O problema da justiça/ Hans Kelsen: tradução João Baptista Machado. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 11.

17. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução...,cit., p. 102.

18. Alfredo Ruprecht, Conflitos coletivos do trabalho, cit., p. 229.

19. Joel Dias Figueira Júnior, Arbitragem, jurisdição e execução..., cit., p. 110.

20. Carlos Alberto Carmona, Arbitragem no processo civil brasileiro, São Paulo: Malheiros, 1993, p. 136.

21. Cândido Rangel Dinamarco, Manual das pequenas causas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 79.

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