Arbitragem No Brasil

Escrito por Marilisa Martins

Arbitragem - Breve contexto histórico

O instituto jurídico da arbitragem é uma das formas de resolução de conflitos mais antigas na história do Direito. Foi uma das primeiras formas de dirimi-los sem o recurso da força e da violência.

Trazei-me uma espada, ordenou o rei"; e levaram-lhe a espada. E o rei disse: "Cortai o menino vivo em duas partes e dai metade a uma e metade à outra". Então a mulher, de quem era o filho vivo, suplicou ao rei, pois suas entranhas se comoveram por causa do filho, dizendo: "Ó meu senhor! Que lhe seja dado então o menino vivo, não matem de modo nenhum!" Mas a outra dizia: "Ele não seja nem meu nem teu, cortai-o!" Então o rei tomou a palavra e disse: "Dai à `primeira mulher a criança viva, não a matem. Pois é ela a sua mãe". (Reis 3, 24-28)

Especificamente acerca da Justiça Privada tem-se notícia de sua utilização na Babilônia de 3.000 anos a.C, na Grécia antiga e em Roma. No Direito Romano encontraremos as raízes mais profícuas do instituto da Arbitragem.

O Juízo Arbitral mereceu disposição expressa no Digesto (Liv.IV, Tít.8; Cód.Liv.II, Tít.55) sob epígrafe "De receptis" e no Direito Justinianeo em idade pós-clássica. (pacto de compromisso).

Já era utilizada na Antiguidade e na Idade Média entre cavaleiros, barões, proprietários feudais e entre soberanos distintos, pois representava um caminho mais adequado para evitar-se uma confrontação bélica, isso na esfera do Direito Internacional Público, sem contar nos demais ramos do Direito e do surgimento da arbitragem comercial, tendo em vista a citação de Platão sobre os juízes eleitos que segue: "Que os primeiros juízes sejam aqueles que o demandante e o demandado tenham eleito, a que o nome de árbitros convém mais que o de juízes; que o mais sagrado dos Tribunais seja aquele em que as partes tenham criado e eleito de comum acordo." (Platão, "in" "De legibus", Livros 6 e 12).

A ausência de leis ou a sua rigidez, a falta de garantias jurisdicionais, a fraqueza dos Estados e os conflitos entre Estado e Igreja propiciavam um cenário extremamente favorável ao instituto de que aqui trataremos.

O início da arbitragem

Desde a mais rude formação social, o homem criou maneiras de tutelar a justiça, que passou a ser interpretada a partir de princípios sociais e religiosos. A princípio, havia a autotutela, que é a defesa exercida pelo próprio ofendido ou por grupos.

Com a evolução social, o homem passou a transferir o poder de decisão das controvérsias a terceiros. O exercício de solução de
controvérsias era cumprido pelo privado, e somente com a expansão do Império Romano passou-se a conhecer a jurisdição pública
estatal.

A arbitragem como jurisdição privada antecedeu a jurisdição estatal, especialmente nos moldes em que a conhecemos hoje, que é a jurisdição exercida pelo Estado e que prevalece em nosso direito de forma quase absoluta como único meio de pacificação social.

A solução de controvérsias pela arbitragem conheceu muitos berços e sempre, de alguma forma, esteve presente na sociedade humana. Em Roma, desde 754 a.C., já havia arbitragem, que era utilizada de duas formas: o processo das legis actiones e o processo per formulas.

Os procedimentos contavam com a figura do pretor, que era encarregado de preparar a ação, enquadrando-a nos limites da lei, e
que posteriormente encaminhava o processo para julgamento, que era realizado por um iudex ou arbiter. Estes não faziam parte do
corpo funcional romano e eram pessoas idôneas, particulares que estavam incumbidos de promover o julgamento da controvérsia que
lhes fosse apresentada.

Um dos mais famosos particulares que desempenharam a função de árbitro foi Quintiliano, gramático que muitas vezes foi chamado
a desempenhar a função de árbitro, chegando inclusive a escrever obra a respeito dessa sua experiência.

É certo também que a arbitragem, em Roma, apresentava-se em sua modalidade obrigatória, antecedendo, assim, à própria solução estatal jurisdicionalizada. Na Grécia, a regra geral era que as funções do árbitro se dividissem em duas fases: a fase da tentativa de conciliação, em que o árbitro procurava resolver o litígio com a aproximação das partes e a composição do litígio, e a fase puramente arbitral, em que a sentença era proferida.

O árbitro visa à equidade, enquanto que o juiz tem por objetivo aplicar a lei. Portanto, ao se invocar o árbitro, tem-se por objetivo maior uma decisão por equidade.

A mitologia grega traz muitos exemplos que demonstram a utilização de laudo arbitral nas dissensões entre deuses, em que o instituto da mediação sempre esteve presente. Também nas questões de limites entre as cidades-Estados, a arbitragem era utilizada amplamente.

A arbitragem aperfeiçoou-se no período Justiniano. Na Idade Média, a sociedade feudal também utilizou a arbitragem e a mediação na solução de conflitos, inclusive internacionais, tendo-se em vista a intervenção da Igreja Católica em todos os principados, que era a divisão política da época. O Papa era considerado o árbitro supremo, enquanto que os bispos e senhores feudais se valiam mais da mediação.

O Brasil, desde o seu descobrimento, nas Ordenações Filipinas e Manuelinas, já tinha a arbitragem como via de pacificação adequada. A primeira Constituição brasileira,outorgada em 1824, trazia expressamente em seu artigo 160 a utilização da arbitragem.

O Código Comercial brasileiro de 1850 também tinha a previsão da arbitragem, sendo que esta era de utilização obrigatória. O Código Civil de 1916 também trazia em seu bojo a arbitragem e a convenção de arbitragem. O Código de Processo Civil de 1937 e o atual Código, de 1973, nunca afastaram o procedimento arbitral do Direito brasileiro.

Outras tantas leis também têm previsão de arbitragem como via de pacificação, dentre as quais podemos citar a Lei das Sociedades Anônimas (1976), a Lei de Greve (1989) e a Lei dos Portos (1993).

Nos dias atuais centros internacionais ou associações privadas dedicam-se a elaborar estudos e propostas para harmonização de certas normas aplicáveis a contratos internacionais e à arbitragem, visando, quanto possível, a contornar as dificuldades entre países de civil law e de common law, cujas posturas apresentam dicotomias de interpretação.

Como exemplo podemos citar a International Law Associaction (ILA), o Instituto para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT) e, no âmbito da ONU, a Comissão das Nações Unidas para o Desenvolvimento do Comércio Internacional, conhecida por UNCITRAL (em inglês) ou CNUDCI (em francês), criada pela Resolução n. 2.205/XXI, de 17.12.1966 da Assembléia Geral. Acrescente-se, também, o trabalho da Academia Interamericana de Direito Internacional e Comparado.

Com o objetivo de desenvolver estudos progressivos e unificar as leis de comércio internacional, bem como de preparar ou promover a aceitação de novas convenções internacionais, leis uniformes e lei-modelo, a UNCITRAL teve aprovada, de modo definitivo, em 1985, a lei-modelo, de vocação universal, aceita por vários países, mas que o Brasil não incorporou. Todavia, serviu de inspiração ao legislador brasileiro da Lei n. 9.307/96, ora vigente.

A arbitragem no direito brasileiro

No Brasil, a arbitragem é legalmente reconhecida desde os tempos da colonização portuguesa e, ao contrário do que se pensa, ela já existiu como obrigatória em nosso Direito, sendo que a Constituição do Império (1824) dispunha sobre a matéria no art.160: "nas cíveis, e nas penaes civilmente intentadas, poderão as Partes nomear Juízes Árbitros. Suas sentenças serão executadas sem recurso, se assim convencionarem as mesmas Partes".

O direito brasileiro também tinha previsão de arbitragem compulsória nas Leis de 1831 e 1837, quando as questões envolvessem seguro ou locação. O Código Comercial de 1850 também fazia menção à arbitragem obrigatória, em questões de natureza mercantil (como no art.294, nas causas entre sócios de sociedades comerciais, "durante a existência da sociedade ou companhia, sua liquidação ou partilha", regra que era firmada no art.348).A arbitragem obrigatória sofreu severas críticas na época e tornou-se voluntária a partir de 1866, por meio da Lei n. 1.350, regulamentada pelo Decreto n. 3.900/1867.

A arbitragem foi importante na história do Brasil, nas questões ligadas à expansão de nossas fronteiras, sendo que o Barão do Rio Branco foi o melhor defensor do Brasil, nessas questões, tendo atuado no caso que determinou a incorporação do atual Estado do Acre ao território nacional brasileiro.

O Código Civil brasileiro de 1916 também fazia previsão de arbitragem, assim como os nossos Códigos de Processo Civil, de 1939 e 1973. Mais recentemente, a Lei 9.099 de 1995, Lei que instituiu os Juizados Especiais cíveis e criminais, também cuidou da arbitragem na solução de litígios enquadrados dentro do regime do juizado especial, além da Lei das Comissões de Conciliação Prévia (2000) e da Lei que cuida da Participação dos Trabalhadores sobre o lucro e resultado das empresas (2000).

Por fim, o atual Código Civil, contemplado pela Lei 10.406 reafirma a importância e as condições de admissibilidade da arbitragem no Direito brasileiro.

O Brasil assinou o Protocolo de Genebra, em 1923, foi um dos contratantes do Código de Bustamante e signatário, igualmente, da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional (Panamá, 1975) - promulgada, finalmente, no Brasil, para ser executada e cumprida, em 9.5.1996 (DOU, de 10.5.1996) e mais recentemente reconheceu a convenção de Nova York.

Os nossos códigos unitários de processo civil, de 1939 e 1973, adotaram a arbitragem em sua modalidade facultativa de "juízo arbitral", pelo qual as partes podiam submeter seu litígio a árbitros, mediante compromisso que o instituía, observados determinados requisitos.

O primeiro anteprojeto de lei, que visava alteração sobre a arbitragem foi elaborado por solicitação do extinto Ministério da Desburocratização, e publicado no Diário Oficial da União de 27 de maio de 1981. Referido anteprojeto foi alterado por três vezes, sendo que a atual lei foi finalmente elaborada por uma comissão relatora, composta por Selma Maria Ferreira Lemes, Carlos Alberto Carmona e Pedro Batista Martins. Conforme Selma Maria Ferreira Lemes, "a Lei n. 9.307, de 23.9.1996, que disciplina a arbitragem no Brasil, tem sua gênese na Lei Modelo da UNCITRAL (LM). Esta Comissão das Nações Unidas foi criada em 1966, tem sede em Viena e, desde sua constituição, vem prestando inestimáveis serviços à comunidade jurídica internacional.

Nesse sentido, através dos trabalhos de um comitê formado por representantes de 58 países, incluindo o Brasil, e 18 organizações internacionais, durante três anos, discutiu os termos de uma lei-modelo sobre arbitragem, com o intuito de, em lugar de unificar a matéria através de uma convenção internacional, buscar a harmonização das diversas legislações internas.

Esta é, indubitavelmente, a razão do sucesso da LM, cujo texto final foi aprovado pela Assembléia Geral das Nações Unidas através da Resolução n. 40/72, de 11.12.1985.

Hoje já se contam, às dezenas, os países que incorporam às suas legislações internas a LM, adotando-a in totum ou parcialmente, seja tratando somente de arbitragem internacional, seja aplicando-a também à arbitragem doméstica".

A atual Lei de arbitragem, após uma série de trabalhos e estudos, foi promulgada em 1996 sob o número 9.307 e colocou o Direito brasileiro em sintonia com as atuais legislações internacionais que versam sobre a matéria. Para questões trabalhistas, "exceto as Constituições de 1934 e de 1937, que não se referem ao instituto arbitragem, as Constituições de 1891 e de 1946 empregam o vocábulo arbitramento, ao passo que as de 1967 e de 1969 fazem alusão ao instituto, denominando-o corretamente de arbitragem, mas nestas Cartas a referência é feita aos conflitos internacionais e nunca ao Direito do Trabalho.

Lei 9.307/96 altera profundamente a história do instituto da arbitragem em nosso país, quanto ao procedimento arbitral e sua eficácia, sem, no entanto, excluir dela o Poder Judiciário, que continua sendo chamado para questões em que haja necessidade do seu poder coercitivo.

Portanto, no Direito brasileiro sempre esteve presente o instituto da arbitragem em muitos de seus livros, desde a sua Lei Maior até leis especiais. Assim, temos que reconhecer a constante preocupação do legislador pátrio com a validação do procedimento arbitral como importante via de pacificação de conflitos sociais. Em nossos dias, na velocidade e na dinâmica de uma economia globalizada, não podemos mais descartar a sua utilização como importante forma de ampliação de acesso à justiça.